Introdução: A dissecção espontânea de coronárias é uma causa menos frequente de síndrome coronária aguda (SCA). O seu diagnóstico pode ser desafiador nas situações em que a lâmina de dissecção não pode ser observada na coronariografia invasiva, sobretudo quando acomete o vaso difusamente. Assim, faz parte do diagnóstico diferencial em casos de infarto agudo do miocárdio sem coronariopatia obstrutiva (MINOCA).
Relato do caso: Sexo feminino, 40 anos, com histórico de migrânea. Em uso de analgésicos simples e anticoncepcional oral combinado. Ex-tabagista (cinco anos-maço) há 9 anos. Procurou o pronto-socorro com dor retroesternal opressiva, irradiada para mandíbula, com início ao repouso. Dois dias antes do episódio, foi submetida a forte estresse emocional.
O eletrocardiograma demonstrava supradesnivelamento do segmento ST em DI, aVL e V2, além de infradesnivelamento do segmento ST em DIII e aVF. Iniciadas medidas para SCA e encaminhada à coronariografia invasiva, não sendo encontradas lesões obstrutivas.
A ventriculografia esquerda demonstrava hipocontratilidade acentuada em ápex e segmentos apicais das paredes anterior, septal e inferior, com contratilidade normal dos demais. A troponina apresentou padrão de elevação e queda, com valor máximo de 7.306 pg/ml (referência até 15,2 pg/ml).
O ecocardiograma demonstrou discinesia do ápex, acinesia em segmentos médios e apicais do ventrículo esquerdo e contração normal dos segmentos basais, padrão sugestivo de Takotsubo.
Realizada ressonância magnética, sendo observado edema miocárdico e realce tardio transmural, de padrão isquêmico, acometendo o território da artéria descendente anterior (ADA). A paciente foi submetida à angiotomografia de coronárias, que revelou a presença de hematoma na parede do tronco da coronária esquerda (TCE), estendendo-se para ADA até o seu terço distal, compatível com dissecção espontânea de coronárias. Apresentou boa evolução clínica em tratamento conservador, assintomática e sem eventos cardiovasculares maiores no seguimento de 1 ano.
Discussão: Os fatores de risco mais frequentes são gestação, displasia fibromuscular, sexo feminino, uso de anticoncepcionais, exercício intenso e estresse emocional, sugerindo-se também associação com migrânea. Embora não seja amplamente validada para a avaliação de dissecção espontânea de coronárias, relatamos um caso em que a angiotomografia elucidou o diagnóstico ao demonstrar espessamento significativo e hematoma parietal em toda a extensão do TCE e da ADA, podendo a mesma se tornar útil na investigação da dissecção espontânea de coronárias.