As anomalias de artérias coronárias têm prevalência de cerca de 1,3% na população. Geralmente, são achados em exames diagnósticos, sem significado clínico relevante, embora possam se associar a outros defeitos anatômicos congênitos em 40% dos casos. Uma anomalia coronariana deve ser definida como qualquer padrão coronariano com uma característica raramente encontrada na população geral (em menos de 1% dos pacientes). Na anatomia coronariana normal, as porções basal e média do septo interventricular posterior são irrigados ou pela artéria coronária direita ou pela artéria circunflexa. Em raríssimos casos, todo o septo interventricular anterior e posterior pode ser irrigado exclusivamente pela artéria Descendente Anterior (ADA).
Paciente masculino, 35 anos, previamente hígido, tabagista e usuário crônico de anfetaminas. Apresentou quadro de dor torácica típica a esforços progressivos nas últimas semanas, com um episódio após pequeno esforço na véspera da internação. Marcadores de necrose miocárdica e eletrocardiograma não demonstraram alterações. Foi encaminhado para a realização de angiotomografia coronariana que evidenciou placa aterosclerótica mista, com predomínio de conteúdo lipídico, levando à estenose luminal de 90% em região proximal de ADA. Notou-se ainda importante variação anatômica com a ADA irrigando todo o septo interventricular anterior e posterior, sendo que nem a coronária direita ou a artéria circunflexa (ACX) cruzavam o “crux cordis”. Foi encaminhado para realização de cateterismo cardíaco que confirmou estenose ostial de ADA. Realizado então angioplastia com implante de stents farmacológicos em bifurcação ADA-ACX, com bom resultado angiográfico final. Paciente recebeu alta em 2 dias, mantendo-se assintomático e sem novos eventos um ano após o procedimento.
Trazemos um caso de raríssima anomalia coronariana em paciente jovem que não apresenta fatores de risco clássicos para aterosclerose. A avaliação clínica e a percepção subjetiva da potencial gravidade do quadro pelo caráter progressivo da dor (mesmo com eletrocardiograma e enzimas cardíacas normais) foram fundamentais para evitar uma evolução desfavorável. A estratificação anatômica não invasiva pela angiotomografia é uma ferramenta cada vez mais utilizada nos casos de Síndromes Coronarianas Agudas em pacientes portadores de escores de risco baixo ou intermediário.